terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Artigo de opinião de JI

Eutanásia
Diferentes maneiras de encarar a vida

“Morte com dignidade” ou “vida a todo o custo”? Eis dois lemas opostos debatidos na sociedade actual. Esta não é apenas uma questão legal, política, religiosa, económica, etc., mas sim uma pergunta que engloba todos estes elementos da vida social. Sofrer nem sempre compensa e é a solução para todos os infortúnios.

A luta pela vida é fundamental para a auto-estima dos indivíduos. O problema é que em certos momentos da vida deixa de fazer sentido levar avante determinados sacrifícios. A eutanásia é a expressão utilizada para definir a prática que faculta a morte sem sofrimento de um doente crónico incurável, de forma controlada e assistida por profissionais de saúde.

A dúvida que se coloca não é o respeito pela vida, mas sim a negação de escolha dada a um enfermo incurável relativamente a opção de por termo a sua existência. A mudança torna-se necessária em determinadas circunstâncias. O estado precário de saúde, por vezes, leva as pessoas a desejar a antecipação do fim do sofrimento e, consequentemente, da vida.

Muitos não entendem a dor e sofrimento dos doentes terminais. E defendem a todo o custo o uso de todas as possibilidades e mais algumas de prolongar a vida, mesmo sabendo que é inútil o esforço e a dor é dolorosa. Estes são os chamados seguidores da distanásia.

Portugal é um país, maioritariamente, ligado à religião católica. Daí, e não só, que a prática da eutanásia seja punida por crime no nosso país. O Estado “prefere” seguir as leis religiosas (Deus diz “Não matarás”, pois cabe a Ele decidir quando chega a morte) e manter o tradicional princípio da protecção da vida dos cidadãos a todo o custo, não abrindo excepções. A Constituição da República Portuguesa consagra que “todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (artigo 3º), reforçando que “a vida humana é inviolável”, no artigo 24º n. 1.

A sociedade portuguesa discrimina actos relacionados com a eutanásia e esquece que todos os dias são cometidos outros mais graves. Muitos portugueses morrem sem terem a possibilidade de ter acesso aos cuidados mínimos de saúde: morrem sozinhos cobertos de frio e solidão em casa ou mesmo na rua sem apoio e compaixão.

A ordem médica também se depara, em certos casos, com este dilema: vida ou morte? A lei e ética médicas advogam que o adiantar da morte é um acto cruel e desumano. Mas será fácil para os profissionais de saúde assistir à dor contínua de um paciente que tem o fim à vista? É verdade que a morte é algo natural, o que não significa que as pessoas, que se encontram em estados de saúde incuráveis, acabem por não poder decidir viver ou morrer.

Nas últimas décadas, é possível verificar a existência de algumas preocupações crescentes com os custos dos sistemas de saúde. O que não dá direito a afirmar que a eutanásia pode servir como solução para reduzir as despesas. Não é esta a finalidade da referida prática.

A eutanásia é permitida legalmente na Holanda. Contrariamente à generalidade dos países mundiais, este país europeu rompe com os preceitos latos que giram à volta desta questão. As pessoas podem escolher entre a eutanásia ou lutar até ao fim contra uma dor insuportável, de acordo com o seu estado espiritual, psíquico e físico.

Defensores da distanásia dizem que a eutanásia não corresponde ao “direito a morrer”, mas sim ao direito a matar. Esta ideia não pode ser defendida, nem mesmo se a eutanásia fosse legalizada. Ao paciente e familiares deve ser dado sempre o devido apoio psicológico, cabendo a estes a derradeira decisão.

A eutanásia pode assumir diversas formas. Nem todas são favoráveis, por isso, defendo a sua legalização no caso de ser voluntária. Os seja, quando morrer é a vontade expressa por um doente crónico que vive momentos de grande sofrimento físico e psíquico nos últimos dias de vida, mesmo que esteja devidamente acompanhado pela família e equipa médica. Esta situação complica-se ainda mais quando um enfermo incurável sente que é um empecilho para os outros ou se sente sozinho e cansado de lutar.

Somos todos diferentes. Tal como existem indivíduos que assumem uma postura firme e confiante, também há aqueles que, em situações extremas, não suportam os possíveis conflitos familiares, depressões ou abandonos. Estes últimos rendem-se com mais facilmente à morte quando constam que a vida não tem sentido e a doença ganha dia após dia.

As ditas pessoas mais fortes, nos momentos em que a morte é inevitável, preferem lutar até ao derradeiro segundo, altura em que a respiração e o coração deixam de se ouvir. Nem todos os doentes terminais entregam-se de imediato à doença só pelo facto de dizerem que “não tem cura”. Esta atitude é optativa.

Em determinadas situações, em que já “não há mais nada a fazer”, aos enfermos crónicos resta a companhia das pessoas que lhes estão mais próximas e a esperança (quando existem). O peso da doença e a preocupação e cansaço dos familiares são factores tidos em conta quando se toma uma decisão. E por que razão a morte não pode ser também uma opção?

Com tudo isto, não quero fazer transparecer a ideia de que o tratamento deve ser impossibilitado. Pelo contrário, todas as pessoas têm de ter o direito de acesso aos devidos tratamentos, de forma pelo menos a aliviar, uma vez impossível retirar, a dor.

A ciência está cada vez mais avançada, aparecem novos medicamentos, tratamentos e esperanças. Mas estes ainda não trazem a solução para todas as doenças (infelizmente!). Daí a necessidade de não negar a um doente final o direito de conscientemente poder fazer a sua opção. As várias tentativas para resistir a males acabam por deixar de fazer sentido quando é constatado que a cura é impossível.

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