terça-feira, 12 de outubro de 2010

Viver com o ofício às costas

Século XXI: era da electrónica e das novas tecnologias. Multiplicam-se os grandes edifícios, o cimento e o alcatrão propagam-se e o tradicional sobrevive a muito custo. A autora deste texto retrata o movimento e a agitação de pessoas num recinto onde persiste a venda e compra à moda antiga.

Populares a caminho da "Feira do Gado"


"Venha ver freguês", "Compre que é barato", "É só três euros" gritam vários feirantes de todos os lados, originando um ambiente popular de balbúrdia. Encontram-se espalhados diversos objectos e peças de roupas em todos os cantos do recinto da feira de Cesar, freguesia do concelho de Oliveira de Azeméis. Intactos e remexidos, os produtos passam pelas mãos de vendedores, de compradores ou apenas de visitantes curiosos.

A 17 de Outubro de 2009 o dia começa cedo. Ainda é madrugada e as ruas estão iluminadas pelos faróis da luz pública e dos veículos que circulam, mas o trabalho já está em andamento. O recinto da feira enche-se de carrinhas volumosas, espaçosas e com um tom branco. Feirantes levantam ferros de uma ponta à outra, que são encobertos com toldes. Surgem tendas e bancas de venda a pouco e pouco.

No recinto que envolve a chamada "Feira do Gado", zona onde são vendidos sobretudo produtos de cultivo (hortaliças e plantas) e alimentares (fruta, legumes, peixe, carne), a maioria dos feirantes já estão preparados para vender os seus produtos e ainda o sol está adormecido. Maria Martins, de 60 anos e natural de Pinheiro da Bemposta, Oliveira de Azeméis, é uma das feirantes que está pronta para vender as suas couves.

"A vida de feirante é complicada"
Maria, mulher do campo, gosta da vida e da profissão que exerce, frisando que "não condeno os meus pais" pelo seu trajecto já que foi ela que "não quis estudar". Começou a trabalhar na labuta do campo com apenas oito anos e recorda as idas para a feira de Cesar: "Vinha com os carregos à cabeça, trazia as coisas e levava-as para casa". Aquando da sua mocidade, Maria já sentia o que era ter necessidade de trabalhar para comer: "Havia poucos tostões!"
Quando o dia nasce muitas pessoas, locais e outras, deslocam-se até à "Feira do Gado" para adquirir os produtos alimentares mais frescos e as hortaliças verdes e mimosas que querem ver crescer, saudavelmente, nos seus quintais.

Ferramentas, produtos de cestaria e tapeçaria, frutas e legumes, plantas e sementes estão à venda no recinto da "Feira do Gado"

O relógio da capela da Nossa Senhora da Graça soa às oito badaladas da manhã. Apesar de ainda se sentir o frio típico do Outono, o sol já descoberto eleva aos poucos a temperatura e chama visitantes e/ou compradores ao recinto da feira.

"António", nome fictício de um vendedor de roupa da região Norte do país, que prefere não ser identificado, aprecia o seu trabalho a par da colega Maria, mas admitiu que "a vida de feirante é complicada". Outrora, as feiras eram os pontos exclusivos de venda. Agora, as pessoas vivem numa "aldeia global" onde têm acesso a tudo e a todos com facilidade e rapidez. O estado do tempo, nomeadamente chuva e vento, é outra barreira para os feirantes deste certame.

O tempo passa e a feira continua

Apesar das transformações de mentalidades e de territórios, a profissão de vendedores de feira perdura na intemporalidade. No entanto, as diferenças entre o passado e o presente existem. Quem as reconhece é "António" quando afirmou que "os supermermados de hoje são as feiras de antigamente". Em tempos remotos, "as pessoas adquiriam todo o tipo de produtos" nos certames, acrescentou o feirante.

Vende-se todo o tipo de produtos nesta feira

O dia termina com o desaparecer da tarde e do céu azul. O trabalho acaba com o desmontar das bancas e tendas e recomeça numa próxima feira. Agora, é tempo de voltar à estrada na companhia da luz dos faróis dos veículos e da luz pública.
Passado um ano, o cenário tem-se repetido todos os meses aquando da "Feira dos 18", que é antecipada sempre que o dia 18 é a um domingo ou segunda-feira. Realizado no recinto da feira de Cesar, o certame estende-se pelas bermas da estrada envolvente até ao lugar da chamada "Feira do Gado". A próxima é já no sábado, 16 de Outubro, seguida da "Feira do Velho".

Assim, a 17 de Outubro, o largo da feira regressa ao passado em menos de 24 horas, recebendo feirantes e adeptos de velharias. A "Feira do Velho", que decorre ao terceiro domingo de cada mês nesse local, tem a particularidade de se dedicar à mostra e venda de produtos ancestrais.

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